São muitas as ações na Justiça contra os planos
de saúde, questionando, na maioria dos casos, a negativa de cobertura para
certos procedimentos médicos, sobretudo os mais complexos, e para alguns tipos
de doenças graves, como câncer e problemas cardíacos, além de transplantes. Daí
porque o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) levou a proposta de criação de
uma câmara especial para tratar de assuntos relacionados a planos de saúde para
votação em seu Órgão Especial.
As câmaras especiais são criadas para tratar de
temas que exigem maior especialização dos juízes, diante da alta
complexibilidade de determinada matéria. Entretanto, o resultado da votação
realizada em 8 de fevereiro, foi de 16 votos contra e 8 a favor. De acordo com a
maioria dos desembargadores, o tema já tem jurisprudência consolidada na corte,
inclusive com a edição de súmulas, e o grande número de processos não justifica
a criação de uma nova câmara.
O desembargador Elliot Akel, um dos que votou
contra, justificou que a criação da câmara especializada não é necessária em
virtude da pacificação de diversos entendimentos sobre o tema. "Tanto que ainda
nesta sessão, o item 16 da pauta diz respeito a oito enunciados (súmulas)
aprovados pela Turma do Direito Privado I, acerca de planos de saúde”,
disse.
Oito súmulas
As oito súmulas, editadas na mesma reunião,
tratam sobre diversas questões envolvendo planos de saúde e formalizam
posicionamentos consolidados do tribunal. Na prática, por não serem vinculantes,
ou seja, obrigatórias, as súmulas servem como orientação aos juízes de primeira.
De acordo com as súmulas publicadas, os planos são obrigados a fornecer Home
Care, se existir a indicação médica; não podem reajustar a mensalidade por
mudança de faixa etária, como dispõe o Estatuto do Idoso; e não podem limitar o
tempo de internação do usuário.
Além disso, "a falta de pagamento da
mensalidade não pode gerar, por si, a pronta rescisão unilateral do contrato,
exigindo-se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez dias; e não
pode ser considerada simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de
tratamento de obesidade mórbida, se houver indicação médica".
A íntegra das súmulas:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
A PRESIDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA publica,
para conhecimento, as Súmulas aprovadas pelo Colendo Órgão Especial, nos termos
do artigo 188, §§ 3º e 4º, do Regimento Interno:
Súmula 90: Havendo expressa indicação médica
para a utilização dos serviços de “home care”, revela-se abusiva a cláusula de
exclusão inserida na avença, que não pode prevalecer.
Súmula 91: Ainda que a avença tenha sido
firmada antes da sua vigência, é descabido, nos termos do disposto no art. 15, §
3º, do Estatuto do Idoso, o reajuste da mensalidade de plano de saúde por
mudança de faixa etária.
Súmula 92: É abusiva a cláusula contratual de
plano de saúde que limita o tempo de internação do segurado ou usuário (Súmula
302 do Superior Tribunal de Justiça).
Súmula 93: A implantação de “stent” é ato
inerente à cirurgia cardíaca/vascular, sendo abusiva a negativa de sua
cobertura, ainda que o contrato seja anterior à Lei 9.656/98.
Súmula 94: A falta de pagamento da mensalidade
não opera, per si, a pronta rescisão unilateral do contrato de plano ou seguro
de saúde, exigindo-se a prévia notificação do devedor com prazo mínimo de dez
dias para purga da mora.
Súmula 95: Havendo expressa indicação médica,
não prevalece a negativa de cobertura do custeio ou fornecimento de medicamentos
associados a tratamento quimioterápico.
Súmula 96: Havendo expressa indicação médica de
exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa
de cobertura do procedimento.
Súmula 97: Não pode ser considerada
simplesmente estética a cirurgia plástica complementar de tratamento de
obesidade mórbida, havendo indicação médica.
Sem avanços
“Tais súmulas apenas denotam a aplicação das
normativas já existentes, seja por via de lei ou mesmo pelas normas e resoluções
editadas pela ANS”, dizem as especialistas em Direito Médico e Saúde, Sandra
Franco e Nina Neubarth. Segundo elas, apesar de não ser o intuito do Poder
Judiciário de legislar, na medida em que as súmulas servem apenas de orientação,
tais decisões servem na prática como leis e normas a serem seguidas pelos
julgadores.
Para o médico Marco Antonio Gazel, fundador da
MA Gazel Assessoria Médico Securitária, em muitas decisões de tribunais, os
juízes costumam privilegiar a parte que consideram mais fraca, o usuário. “Isso
ocorre porque, geralmente, porque os juízes tendem a projetar seus problemas
pessoais na situação do reclamante”, analisa.
Considerando que a recusa de cobertura de
alguns procedimentos é baseada nas regras do contrato que os planos firmaram com
o usuário, em acordo com as normas do órgão regulador do setor, a ANS, Gazel
observa que as súmulas do TJ-SP não trouxeram avanços à questão. Mesmo assim,
sugere que as operadoras de planos e seguradoras se protejam, incluindo em suas
defesas decisões superiores da Justiça.
“Não existe má-fé”
Luiz Celso Dias Lopes, Superintendente
Regulatório e de Relações Institucionais da SulAmérica, membro da Fenasaúde e do
IESS, além de professor da Escola Nacional de Seguros, explica que as súmulas do
TJ-SP refletem o posicionamento do Poder Judiciário paulista acerca das questões
que são levadas à Justiça pelos consumidores. Segundo ele, grande parte dessas
decisões refere-se a contratos firmados antes da regulamentação do setor, a qual
ocorreu em 1999, com a vigência da Lei 9.656. “Os contratos firmados antes dessa
data tem uma cobertura mais limitada do que os chamados "planos novos", mas os
valores cobrados (prêmios) também são proporcionais a essa cobertura”,
afirma.
De acordo com Luiz Celso, a maioria das
decisões tem fundamento no Código de Defesa do Consumidor, sob o argumento de
que as cláusulas limitativas são abusivas. Ele ressalta que, que em grande
parte, as condutas das operadoras e seguradoras tidas como abusivas pelo
Judiciário estão, na verdade, em perfeita sintonia com o que dispõem os
contratos ou até mesmo as regras previstas na lei e nas resoluções da ANS.
“Portanto, não existe má fé das operadoras. É fato que a forte interferência do
Judiciário na saúde, originando a denominada judicialização, tem gerado forte
impacto ao setor, afetando o mutualismo e o equilíbrio atuarial, fatores estes
fundamentais à sustentabilidade do sistema", diz.
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