PREZADOS LEITORES

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28 de fevereiro de 2013

Estatuto do Idoso: leis não são cumpridas e idosos continuam sendo vítimas de maus tratos

No ano em que o Estatuto do Idoso completa dez anos de atuação, infelizmente, ainda é comum ver idosos com os direitos sendo desrespeitados. Sejam as pessoas que não respeitam às filas preferenciais em bancos ou supermercados, sejam os que estacionam nas vagas de estacionamento reservado aos idosos, ou até mesmo as agressões físicas e psicológicas de que muitos idosos são vítimas diariamente. Apesar do avanço da legislação brasileira em resguardar os direitos dessa fatia considerável da população brasileira, ainda faltam políticas públicas que consigam, na prática, garantir o cumprimento dos direitos dos idosos.

De acordo com o Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com idade igual ou superior aos 60 anos. A família, a comunidade e o poder público têm o dever de garantir ao idoso, com absoluta prioridade, os direitos assegurados à pessoa humana. A preocupação com a melhoria da qualidade de vida dos idosos, também se deve ao envelhecimento da população do Rio Grande do Norte, que acompanha o processo que também vem ocorrendo no país.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Censo de 2010 apontou que, em dez anos, a população do Estado cresceu 12%. No entanto, na faixa populacional de até 19 anos, houve uma redução de 9% entre os potiguares. Proporcionalmente à população do Estado, os dados também mostraram que o número de pessoa com 80 anos ou mais de idade cresceu 50%, enquanto a população com 65 anos ou mais aumentou em 35%.

Os dados do IBGE indicam que com esse ritmo diferente de crescimento, a pirâmide etária está se estreitando na base, com queda na fecundidade. Por outro lado, o topo da pirâmide vai se ampliando, com uma população idosa cada vez maior e com pessoas em idade avançada com números cada vez maiores. A quantidade de idosos em 2000 era 250.954 e representava 9,02% da população total do Estado. Em 2010 foi registrado um aumento na população de idosos em relação ao censo anterior (2000) de aproximadamente 60,72%, igual a 403.342 habitantes, que passaram a representar 12,73% da população total do Estado.

A promotora de Justiça de Defesa do Idoso e da Pessoa com Deficiência, Naide Maria Pinheiro, considera que em termos de legislação a população idosa está bem assistida e “não precisa de mais nada”. “A legislação brasileira na defesa da pessoa idosa é super completa, agora precisamos implementar as políticas públicas e fazer valer os direitos previstos nestas várias leis existentes”, destacou.

A representante do Ministério Público do Rio Grande do Norte revela que 90% dos casos de denúncias que chegam até o Ministério Público são de idosos maltratados ou idosos que estão tendo o provento desviado, em regra, por um parente. “Aquele familiar que não tem o carinho, atenção e amor pelo parente resolve cuidar dele interessado na gestão da renda que a pessoa idosa possui. Termina que a pessoa não faz por amor, por vontade, e sim por interesse, ai termina desviando”, afirmou a representante do Ministério Público.

Diante da denúncia, muitas vezes a Promotoria de Defesa do Idoso é obrigada a tomar providências que são, em alguns casos, contrárias a vontade do próprio idoso. “Se a Promotoria tomar conhecimento de um crime, e esses crimes previstos no Estatuto do Idoso são de ação penal pública incondicionada, ou seja, não depende da vontade da vítima o processamento do feito. Agimos independente da vontade”, destacou.

No entanto, como os principais agressores são os próprios familiares, o idoso prefere não denunciar o maltrato. “É costumeiro a Promotoria entrar no Plantão e isso significa que reconhecemos a urgência, com medidas de afastamento ou de internação compulsória de um parente. Ajuizamos a ação. O juiz defere o pedido e quando chega o oficial de justiça para cumprir a medida junto à família, o idoso se recusa a entregar o parente. É difícil a atuação porque por um lado precisam de ajuda e por outro, eles são contra o afastamento do ente por entender que o afastamento é ruim”, destacou.

A promotora explica que o papel do Ministério Público é de dar a mão aos idosos pra resolver a situação, mas se ele ainda for lúcido, em respeito ao principio da autonomia da vontade, que foi reforçado no Estatuto do Idoso, como garantia ao direito à vida, caberá ao idoso decidir se permite ou não a intervenção do MP. “Se o idoso disser que o ente o maltrata, o destrói psicologicamente, mas mesmo assim quer que ele continue dentro de casa, ele fica e o Ministério Público respeita a decisão. É comum isso acontecer, mas em um momento ou em outro ele volta atrás. Mas muitas vezes a medida de afastamento que faz o filho sair de casa é o que impulsiona aquele filho a buscar um tratamento”. Essa autonomia se refere para casos de afastamento da casa ou de internação compulsória, medidas de natureza cível, de proteção ao idoso. Mas em casos de crime, o MP faz o processamento criminal, já que para isso não depende da vontade da vítima.

“Ele não sendo lúcido, aí é com a gente. Não abrimos mão e a promotoria é por ele”, destacou a promotora. Naide Maria Pinheiro explica que, às vezes, tem mais de um familiar na casa e esse maltrato é realizado apenas por um. Então, o Ministério Público entra com um pedido de afastamento, que normalmente é cumprido por que não tem o idoso para desmanchar. “Outras vezes ele mora apenas com o cuidador e é este cuidador que maltrata. Nesse caso buscamos o abrigamento desse idoso, mas daí esbarramos em outro problema: a falta de vagas nos abrigos no município de Natal, que é um caso sério”, destacou a promotora.

A Promotoria de Defesa do Idoso já ingressou com uma ação civil pública, tanto contra o Estado, quanto contra o Município de Natal, para criação de abrigo público, que não existe. “Existem convênios tanto do Estado, quando do Município para, de alguma forma, ajudar na manutenção dos abrigos para que eles recebam os idosos que vêm pela mão da assistência social. A obrigação da Assistência Social é do Estado (União, Estado e Município) e hoje, o Estado não está prestando diretamente essa assistência. Ele convenia de dar um auxílio a alguns abrigos para que eles recebam esses idosos que precisam de uma assistência em uma instituição de longa permanência e não vem recebendo. E mesmo os que existem ainda são insuficientes”, destacou a promotora. Naide Maria Pinheiro disse que hoje há uma lista de idosos à espera de uma vaga em abrigos.

A representante do Ministério Público explicou que não cabe a Promotoria de Justiça de Defesa do Idoso resolver todos os problemas do idoso. Existe o direito de natureza disponível, aquele idoso que porventura seja discriminado em uma loja, não cabe a Promotoria resolver esse caso. “Funcionamos para defender os direitos indisponíveis, àqueles essenciais à garantia da vida, à garantia da saúde, à garantia da habitação, com uma moradia de um mínimo de dignidade”, disse Naide Maria Pinheiro.

A promotora destacou a importância do vizinho do idoso, tanto na denúncia quanto no cuidado do idoso. Ela conta que, muitas vezes, em casos em que não há quem cuide do idoso, são os vizinhos que se encarregam de fazer esse cuidado, por um determinado tempo. São os vizinhos também quem mais procuram a Promotoria para fazer denúncias de maltrato. “De tanto vivenciar e escutar as agressões, os vizinhos acabam sendo a salvação de muitos idosos”, disse.

Entre os principais maus tratos que os idosos são vítimas, a promotora destacou a falta de alimentação adequada e a negligência quanto aos cuidados médicos são os mais comuns. “Os mais graves são aqueles em que o parente tira tudo do idoso, deixando à míngua. Às vezes a intenção não é nem maltratar, a intenção é só se apropriar de tudo, mas na hora que ele se apropria e deixa o idoso em condição de subsistência não deixa de se configurar um caso de maltrato, pois muitas vezes vem acumulado, o maltrato com a apropriação”, afirmou a promotora.

A violência física, explica a promotora, não é o caso mais frequente e acontece geralmente quando o parente está drogado. “Quando o idoso não tem ou se recusa a dar dinheiro para alimentar o vício e termina agredindo-o, mas não é o mais comum. O mais comum é aquela negligência disfarçada, é a falta de cuidado, a desatenção. Se o parente cuida com amor, mesmo com a condição que for, ele fará o máximo para dar amor, carinho, tranquilidade para idoso”, destacou Naide Maria Pinheiro.

Denúncia

Denúncias de crimes contra idosos são cada vez mais comuns no Brasil. De janeiro a novembro de 2012, o Disque 100, telefone da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência, registrou mais de 21 mil denúncias. No mesmo período de 2011, foram pouco mais de sete mil, aumento de quase 200%. Os crimes mais denunciados são: negligência e violência psicológica. Em seguida, vem abuso financeiro e econômico. A lista dos crimes mais denunciados tem ainda a violência física. Em quinto lugar na lista, vêm outros crimes, como o abandono.

O Disque 100 encaminha as denúncias para a Promotoria do Idoso, no entanto, a promotora Naide Maria Pinheiro considera o sistema de denúncia do Disque 100 falho, pois cerca de 80% das denúncias não procedem ou apresentam alguma irregularidade. Ela acredita que a melhor forma de fazer a denúncia é ir pessoalmente à sede da Promotoria do Idoso, que fica na rua Floriano Peixoto, em Petrópolis. A denúncia pode ser anônima. “O mais eficaz é vir aqui e trazer os elementos da denúncia, mesmo que não queira se identificar. A denúncia fica mais concreta e mais fácil de atuarmos”, afirmou. Por mês são cerca de cem denúncias, das quais aproximadamente apenas 15% procedem.

Desafio

Dentre as políticas públicas que precisam ser implementadas em Natal, a que a promotora Naide Maria Pinheiro considera mais importante, além das relativas à saúde, é a que garante o acesso à cidade. A Promotoria do Idoso ajuizou uma ação civil pública para garantir que o município tome providência em relação às calçadas da cidade. Para instruir a ação, foram ouvidos diversos idosos que caíram de calçadas, tiveram lesões graves e outros que quase morreram.

“O idoso muitas vezes não sai da sua casa até a padaria para comprar pão porque é uma verdadeira maratona, em virtude das calçadas irregulares. Isso seria uma coisa importante, pois garantiria o direito à socialização, o direito a participação em sua comunidade. Natal não está pronta para a população que anda a pé e dentre essa população estão os idosos. Não conseguimos manter um delinquente preso na cadeia, mas conseguimos manter os idosos presos em seus lares porque não tem calçada que eles possam se locomover. É uma política pública que precisa ser abraçada por alguma gestão a fim de que possa garantir ao idoso o direito mínimo de locomoção”, destacou a promotora Naide Maria Pinheiro.

A ação civil pública está em trâmite no Judiciário. “É uma ação boa, que vai ter uma visibilidade positiva para o país, quando ela chegar mais na frente. O Ministério Público quer que o município tome à frente das reformas das calçadas. Que faça um cronograma, isso não precisa ser feito em um ano, pode ser em até 20 anos, mas tem que começar. Tem que se propor a isso. Tem que incluir nos planos plurianuais, nos orçamentos anuais. Tem que decidir. E o MP quer garantir ao idoso e a pessoa com deficiência o direito de ir e vir que não está sendo garantido. 

Disque-denúncia apura 200 casos de maus tratos aos idosos em 2012

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