Pense em alguém em pé passando horas dentro de um ônibus lotado, ou em uma fila embaixo do sol escaldante esperando por um simples atendimento. Ou ainda, sendo vítima de violência doméstica, maus tratos e abandono. Agora imagine que essa pessoa já tenha seus memoráveis 60 anos ou mais refletidos nas rugas do rosto, no olhar pensativo e no cansaço das pernas.
De acordo com o artigo 5° da Constituição Brasileira, todos são iguais perante a lei independente de sexo, cor, raça ou idade e devem ser tratados sem discriminação. Mas, infelizmente, não é isso que se vê em relação aos idosos diariamente. Devido o desrespeito e às práticas abusivas contra os membros da chamada 3° idade, é que foi sancionado, em outubro de 2003, o Estatuto do Idoso. A lei 10.742 trata de ações públicas, pelo menos teoricamente eficientes, de proteção e respeito à faixa etária, que segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), já passam de 14,5 milhões de pessoas, correspondente a mais de 8,6% na população total do país.
“Seis anos é pouco tempo para consolidar na prática uma legislação. O aspecto cultural também é outra dificuldade. Muitas pessoas não veem o idoso como um sujeito de direitos, uma figura humana. Em outros casos, os próprios senhores e senhoras não sabem da existência da lei. Ainda há muito o que avançar”, afirma o gerente de proteção ao idoso e conselheiro de Vitória, Cleilson Teobaldo dos Reis.
De acordo com dados do IBGE, só no Espírito Santo o número de pessoas com 60 anos ou mais passou de 8% em 1998 para 11% em 2008. O Estatuto do Idoso veio como tentativa de garantir alguns direitos civis para esses indivíduos. O idoso tem atendimento preferencial no Sistema Único de Saúde (SUS) sendo que os planos de saúde não podem ajustar as mensalidades de acordo com o critério da idade.
A terceira idade também tem direito a remédios gratuitos, principalmente os de uso continuado como os medicamentos para diabetes e hipertensão e ter acompanhante quando internado em qualquer unidade de saúde.
Para a aposentada Maria Alice Correia, 69 anos, moradora da Serra, a maior dificuldade são as consultas que precisa fazer em Vitória. “Muitas vezes dou o sinal para o coletivo parar e o motorista passa direto. Quando consigo embarcar no ônibus, sempre há um jovem que me vê entrar de muleta, mas não cede o lugar na frente. Fico em pé, minhas pernas doem demais. Vou me consultar, me enrolam e remarcam para outro horário. É uma eterna luta”.
Estatuto do Idoso trouxe poucos avanços – Problemas como o da aposentada são inaceitáveis conforme o Estatuto do Idoso. A lei garante aos maiores de 65 anos transporte coletivo público gratuito, sendo que 10% dos assentos são reservados para eles obrigatoriamente. Quanto ao trabalho, é proibida discriminação contra o empregado idoso, sendo passível de punição quem o fizer. Em relação a habitação, é obrigatória a reserva de 3% nas unidades residenciais dos programas habitacionais públicos ou subsidiados por recursos públicos.
Segundo Cleilson Teobaldo dos Reis, o Estatuto trouxe pequenos avanços, mas a situação social do idoso no Brasil revela a necessidade de debates mais aprofundados e uma mudança de comportamento da própria população. “No fator previdenciário, por exemplo, entendo que há uma inversão da discussão. O país está envelhecendo. Depois da aposentadoria a pessoa vive mais, isso é fato. O erro está em jogar no idoso a responsabilidade da pouca arrecadação, ao invés de incluí-lo por meio de políticas públicas. O nosso país é rico, o que está faltando é ampliar a oferta de recursos à terceira idade”.
Vencendo o preconceito e a violência - Entre agosto de 2005 a abril de 2007, por exemplo, foram registrados 110 casos de violência contra idosos pelo Núcleo Contra a Violência ao Idoso (Nucavi), em Vitória. A maioria das vítimas eram mulheres com idade entre 70 e 80 anos, sendo os filhos os principais agressores. Violência psicológica (27%), negligência (21%) e violência física (20%) são as principais denúncias recebidas.
“Eles não poderão ser objeto de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão. A lei é bastante clara quanto a isso e estabelece penas de reclusão, detenção e até multa para quem desobedecê-la. Situações como abandono em casas de saúde sem o devido apoio, tortura ou apropriação de bens de forma inadequada pela família são crimes imperdoáveis”, diz o gerente de proteção ao idoso de Vitória, Cleilson Teobaldo dos Reis.
E ele acrescenta: “A população tende a ver o idoso ser maltratado e achar aquilo normal. Em algumas situações ele próprio tem medo de denunciar um filho agressor. A violência contra os mais velhos é algo subnotificado. Daí a importância dos casos virem à tona pela imprensa, sinal de que as pessoas não estão considerando atos desumanos como sendo naturais. A ajuda a estas pessoas, ricas em experiência e saber, também é um ato de cidadania”, finaliza.