Espaço do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) em Última Instância.
As mensalidades dos planos de saúde podem sofrer três tipos de reajustes: o reajuste anual; o reajuste por sinistralidade, de legalidade questionável; e o reajuste por mudança de faixa etária. O reajuste por mudança de faixa etária é o aumento imposto ao consumidor de plano de saúde com base na variação de sua idade. A Lei de Planos de Saúde (Lei 9.656/98), em seu artigo artigo 15, previu a possibilidade das operadoras efetuarem este reajuste, desde que o contrato preveja as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes em cada uma delas. Mas também fez uma única ressalva: proíbe tal reajuste aos consumidores com mais de 60 anos, desde que participassem do plano de saúde há mais de 10 anos.
Pois bem. Nos planos antigos (anteriores à Lei de Planos de Saúde e, portanto, assinados antes de janeiro de 1999), o aumento por mudança de idade é proibido se não estiver escrito claramente no contrato as faixas etárias e os percentuais de aumento em relação a cada faixa, sob pena de se configurar cláusula abusiva que permite variação unilateral do preço e que coloca o consumidor em desvantagem exagerada, nos termos do artigo 51, IV e X, c.c. parágrafo 1º, II, do Código de Defesa do Consumidor.
Para os planos assinados entre 1998 e dezembro de 2003, antes de entrar em vigor o Estatuto do Idoso – a regra criada pela ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar previa sete faixas etárias e autorizava o aumento total de até 500% entre elas, sendo comum aumentos exorbitantes concentrados nas últimas faixas. As faixas etárias são: 1) 0 (zero) a 17 (dezessete) anos; 2) 18 (dezoito) a 29 (vinte e nove) anos; 3) 30 (trinta) a 39 (trinta e nove) anos; 4) 40 (quarenta) a 49 (quarenta e nove) anos; 5) 50 (cinqüenta) a 59 (cinqüenta e nove) anos; 6) 60 (sessenta) a 69 (sessenta e nove) anos; e 7) 70 (setenta) anos em diante
Em 1º de janeiro de 2004 entrou em vigor a Lei 10.741/03, conhecida como Estatuto do Idoso. Assim como outras legislações existentes no país – Estatuto da Criança e do Adolescente e Código de Defesa do Consumidor, por exemplo – o Estatuto do Idoso objetiva dar maior proteção a um grupo vulnerável da sociedade.
Para o Estatuto, é considerado idoso aquele que tem 60 anos ou mais. Dentre as suas medidas protetivas está a vedação de práticas discriminatórias a idosos nos planos de saúde. Assim determina o artigo 15, parágrafo 3º: “É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade”.
Vale observar que o Estatuto do Idoso foi criado pois constatou-se que as operadoras de planos de saúde passaram a criar obstáculos para a permanência de consumidores de terceira idade em suas carteiras, através da imposição de altos reajustes por mudança de faixa etária concentrados nas últimas faixas.
Então, a partir de 2004, com a criação do Estatuto do Idoso e a proibição do aumento de mensalidade acima dos 60 anos em razão da idade, a ANS criou nova norma na qual foram padronizadas dez faixas etárias, mas foi mantido o aumento de 500% entre a primeira e a última faixa. Nesse caso, as faixas etárias são: 1) 0 (zero) a 18 (dezoito) anos; 2) 19 (dezenove) a 23 (vinte e três) anos; 3) 24 (vinte e quatro) a 28 (vinte e oito) anos; 4) 29 (vinte e nove) a 33 (trinta e três) anos; 5) 34 (trinta e quatro) a 38 (trinta e oito) anos; 6) 39 (trinta e nove) a 43 (quarenta e três) anos; 7) 44 (quarenta e quatro) a 48 (quarenta e oito) anos; 8) 49 (quarenta e nove) a 53 (cinquenta e três) anos; 9) 54 (cinquenta e quatro) a 58 (cinquenta e oito) anos; 10) 59 (cinquenta e nove) anos ou mais.
Mas, infelizmente, esta nova norma da ANS não resolveu o problema enfrentado pelos idosos nos planos de saúde, já que Na prática o que houve foi a antecipação dos reajustes. Antes concentrados principalmente nas faixas de 50 a 59 anos e de 60 a 69, os reajustes passaram a pesar mais nas faixas dos 44 e 48 anos e na faixa de 59 anos ou mais.
Pesquisa do Idec, realizada no final de 2008, com base nas propostas de vendas e contratos de planos de saúde de 16 operadoras revela que pessoas a partir dos 60 anos são indesejadas pelas empresas. Entre as irregularidades, estão aumentos abusivos nas últimas faixas etárias, que chegam a 104%, o que tem levado à "prática de expulsão" dos mais velhos das carteiras.
Desde que o Estatuto do Idoso entrou em vigor estabeleceu-se uma controvérsia quanto a sua aplicabilidade: ele pode ser aplicado aos contratos assinados antes de sua entrada em vigor, ou somente para os contratos que forem assinados depois de 1º de janeiro de 2004.
Evidente que a melhor interpretação e o correto entendimento da legislação leva ao entendimento de que as disposições do Estatuto do Idoso são aplicáveis a todos os contratos, indiferente da data de sua assinatura.
Como é sabido, regra geral, as leis somente podem produzir efeito sobre atos que se derem depois de sua entrada em vigor. É o que determina o artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, ao falar de direito adquirido e ato jurídico perfeito.
Mas existem situações em que, para a proteção da própria relação contratual e dos direitos envolvidos, leis podem recair sobre relações contratuais que se iniciaram antes delas, desde que sejam normas que visam proteger a ordem pública e os interesses sociais, como é o caso dos contratos de planos de saúde.
O consumidor, quando contrata um plano de saúde, contrata um serviço contínuo e o seu principal objeto é “a transferência (onerosa e contratual) de riscos referentes a futura necessidade de assistência médica ou hospitalar” [1]. Ou seja, o que o consumidor deseja ao contratar um plano de saúde é ter garantido que, no futuro, quando ele ou sua família precisar de atendimento, haverá a cobertura.
E, para tanto, o consumidor estabelece com a operadora de plano de saúde uma relação duradoura, que se estende por anos. Esse tipo de contrato é conhecido, na linguagem jurídica, como contrato relacional, ou contrato de trato sucessivo.
A legislação, por sua vez, assim como a sociedade, tende a evoluir, e não faz sentido “prender” o consumidor à legislação do momento da assinatura de um contrato desse tipo, se surge uma legislação posterior, de interesse social. Assim, quando são editadas leis como o Estatuto do Idoso, que são de interesse social, sua aplicação deve ser imediata, incidindo sobre todas as relações que, na execução do contrato de trato sucessivo, acontecerem a partir da edição dessa nova lei.
Não é qualquer lei que tem esse efeito de aplicação imediata, mas somente aquelas que são consideradas de ordem pública ou de interesse social (como é o caso do Estatuto do Idoso) , e não é qualquer contrato que é afetado, mas apenas aqueles que, por suas peculiaridades – expressas acima, são classificados como contratos de trato sucessivo (como é o caso dos planos de saúde).
E o Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento favorável ao consumidor, reconhecendo a aplicação do Estatuto do Idoso e vedando a aplicação de reajustes por mudança de faixa etária para pessoas com 60 anos ou mais, independentemente da data de contratação do plano de saúde, conforme ementas exemplificativamente transcritas a seguir:
“Direito civil e processual civil. Recurso especial. Ação revisional de contrato de plano de saúde. Reajuste em decorrência de mudança de faixa etária. Estatuto do idoso. Vedada a discriminação em razão da idade.
- O Estatuto do Idoso veda a discriminação da pessoa idosa com a cobrança de valores diferenciados em razão da idade (art. 15, parágrafo 3º).
- Se o implemento da idade, que confere à pessoa a condição jurídica de idosa, realizou-se sob a égide do Estatuto do Idoso, não estará o consumidor usuário do plano de saúde sujeito ao reajuste estipulado no contrato, por mudança de faixa etária.
- A previsão de reajuste contida na cláusula depende de um elemento básico prescrito na lei e o contrato só poderá operar seus efeitos no tocante à majoração das mensalidades do plano de saúde, quando satisfeita a condição contratual e legal, qual seja, o implemento da idade de 60 anos.
- Enquanto o contratante não atinge o patamar etário preestabelecido, os efeitos da cláusula permanecem condicionados a evento futuro e incerto, não se caracterizando o ato jurídico perfeito, tampouco se configurando o direito adquirido da empresa seguradora, qual seja, de receber os valores de acordo com o reajuste predefinido.
- Apenas como reforço argumentativo, porquanto não prequestionada a matéria jurídica, ressalte-se que o artigo 15 da Lei 9.656/98 faculta a variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos contratos de planos de saúde em razão da idade do consumidor, desde que estejam previstas no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajuste incidentes em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS. No entanto, o próprio parágrafo único do aludido dispositivo legal veda tal variação para consumidores com idade superior a 60 anos.
- E mesmo para os contratos celebrados anteriormente à vigência da Lei 9.656/98, qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de 60 anos de idade está sujeita à autorização prévia da ANS (art. 35-E da Lei n.º 9.656/98).
- Sob tal encadeamento lógico, o consumidor que atingiu a idade de 60 anos, quer seja antes da vigência do Estatuto do Idoso, quer seja a partir de sua vigência (1º de janeiro de 2004), está sempre amparado contra a abusividade de reajustes das mensalidades com base exclusivamente no alçar da idade de 60 anos, pela própria proteção oferecida pela Lei dos Planos de Saúde e, ainda, por efeito reflexo da Constituição Federal que estabelece norma de defesa do idoso no art. 230.
- A abusividade na variação das contraprestações pecuniárias deverá ser aferida em cada caso concreto, diante dos elementos que o Tribunal de origem dispuser.
- Por fim, destaque-se que não se está aqui alçando o idoso a condição que o coloque à margem do sistema privado de planos de assistência à saúde, porquanto estará ele sujeito a todo o regramento emanado em lei e decorrente das estipulações em contratos que entabular, ressalvada a constatação de abusividade que, como em qualquer contrato de consumo que busca primordialmente o equilíbrio entre as partes, restará afastada por norma de ordem pública. Recurso especial não conhecido.”
(REsp 809329/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/03/2008, DJe 11/04/2008)
E este mesmo entendimento foi replicado no julgamento do AgRg no Ag 978565/RJ, do REsp 989380/RN, do AgRg no REsp 707286/RJ, do AgRg no AgRg no REsp 533539/RS, do REsp 1106557/SP e do AgRg no REsp 325593/RJ.
Portanto, não há dúvida de que o melhor entendimento da legislação leva à aplicação do Estatuto do Idoso e a consequente vedação da aplicação de reajustes por mudança de faixa etária para pessoas com 60 anos ou mais, independentemente da data de contratação do plano de saúde.
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